O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do Workshop Crítica de Cinema realizado durante o Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Este Workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, na página do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.
Por Luís Nogueira
Voltando a Moms on Fire, o filme transforma-se gradualmente num catálogo de maus costumes, se quisermos medi-lo apenas à luz das regras e preceitos ditados por uma sociedade (patriarcal) plena de interditos e onde a mulher se distingue do homem pela impossibilidade de se mover tão livremente no espaço público. A menstruação, a gravidez ou a amamentação, tornam-na mais permeável e insegura, em pleno contraste com a solidez e confiança masculinas. Há, pois, uma visão eminentemente feminista nesta curta de Rytel, em que a realizadora conduz ao limite um discurso libertário e contrapoder: há desejo sexual nas grávidas de Moms on Fire, que “curtem” uma com a outra, se masturbam, consomem drogas e negligenciam os filhos, fazendo inclusive planos para tomar pastilhas que lhes seque o leite da amamentação.
O facto de estarmos em presença de um filme em que os conceitos e ideias são protagonizados por bonecos animados por stop motion, implica naturalmente uma maior liberdade criativa por parte da cineasta, que retira vantagem da perda de uma certa gravitas do discurso, caso este se corporizasse com atores de carne e osso. E este é definitivamente um dos poderes do cinema de animação.
Em 13 minutos de pura causticidade, Joanna Rytel afirma um poderoso manifesto político, que, qual míssil de longo alcance, não deixa pedra sobre pedra no edifício moral que nos rege. Poderemos eventualmente sentir desconforto, indignação ou até aversão perante estas mães, mas no entretanto, e concedendo que não é função da arte reproduzir ou caucionar os modelos de controlo dominantes, arriscamos até dizer que é neste registo de afronta que esta visão encontra alguma da sua motivação, força e pertinência.
Texto editado por Paulo Cunha e Daniel Ribas.