Secção inaugurada na edição 2019 do Curtas, o Cinema Revisitado volta a trazer ao festival um conjunto de programas especiais compostos por raridades e cópias digitalizadas de obras que marcam os acervos históricos do cinema. Para esta 28 edição alinham-se novos olhares sobre a produção de Jean-Luc Godard, a celebração dos cem anos de “One Week”, obra maior de Buster Keaton, uma carta branca ao cineasta Frank Beauvais e a estreia da cópia restaurada de “O Recado”, primeira longa metragem de José Fonseca e Costa. Palavra especial e de proximidade para o programa de homenagem a Vicente Pinto Abreu, colaborador de longa data do Curtas Vila do Conde falecido no início deste ano.
Não raras vezes as estórias e percursos de artistas intemporais fazem-se também na incursão por aquilo a que chamamos disciplinas menores. Obras encomendadas ou projectos de início de carreira podem e devem ser vistas como uma parte integrante de um trabalho que se desenvolve numa constante dialéctica da vida com a arte. Lembremos a este propósito que uma das primeiras tarefas profissionais do jovem Jean-Luc Godard, de 1956 a 1958, foi a de secretário de imprensa da Fox, insígnia para a qual criou um precioso conjunto de materiais promocionais, kits de imprensa e vídeos que são, hoje, obras em si mesmas. Mencione-se, a título de exemplo, o espumante número especial do jornal Figaro-Pravda publicado para o lançamento de “Alphaville” (1965) ou o lendário “Livret des Sous-titres” distribuído em Cannes durante a primeira exibição de “Le Livre d´Image” (2018). Da mesma forma, os trailers, que vivem autónomos e se tornam peças de uma história de criação: o de “A Woman is a Woman” (1961), o de Duas ou três coisas que eu sei sobre ela (1967) ou o de “Mouchette” (1967). Jean-Luc Godard: Pro-Motion – bandes- annonces – publicites – clip – filmes d'entreprise é o nome do programa especial que o Curtas Vila do Conde apresenta em outubro, que contou com a curadoria de Nicole Brenez, em colaboração com a Cinemateca Francesa, e onde se integrarão curtas-metragens, trailers, vídeos, videoclipes e outras publicidades criadas e dirigidas pelo cineasta franco-suíço.
Num ano em que as questões de saúde pública nos impuseram uma nova consciência sobre a forma como nos relacionamos com o outro, a selecção oficial para a competição internacional e experimental do Curtas Vila do Conde constrói-se em cima de uma reflexão sobre a forma como o público e o privado contaminam a construção de identidades. Em estreia nacional estarão 48 filmes que, a partir dos lugares de intimidade, das uniões e divergências culturais, das divisões e encontros, nos ligam a diferentes comunidades, formas de estar e de pensar.
Sergei Loznitsa e Jafar Panahi são dois dos mais interessantes cineastas da actualidade. O primeiro, ucraniano, tem construído uma obra que percorre os territórios marcados pelo legado soviético; o segundo, iraniano, tem sido um canal aberto para o entendimento do Irão contemporâneo. Donos de uma impressionante sensibilidade para trabalhar a problemática política, social e cultural do seu povo foram desafiados, pela Ópera Nacional de Paris, para criarem uma obra que tivesse como ponto central uma cantora. A Night at The Opera e Hidden trazem-nos dois olhares sobre a cultura dos dois países onde as heroínas cantam, questionando noções de representação e interpretação. História também narrada no feminino, Bella de Thelyia Petraki desenvolve-se em cima de um conjunto de cartas de amor trocadas entre Anthi e Christos na recta final da Guerra Fria e da queda do Muro de Berlim. Conjugando documentário e a ficção, o filme congela um momento específico do tempo onde tudo estava prestes a mudar. Viagem pessoal também proposta em Correspondencia, obra através da qual Carla Simón e Dominga Sotomayor discutem as suas heranças familiares e a maternidade, recorrendo a um conjunto de imagens colhidas no dia-a-dia das suas vidas. Uma história sobre a intimidade que se vê interrompida pela emergência política de um país. Também rodado na América Latina, Electric Swan de Konstantina Kotzamani faz um micro-retrato da comunidade de Buenos Aires, através da história de um edifício onde diferentes classes habitam diferentes andares. Um filme onde a arquitectura se relaciona com o mapa emocional das personagens, mostrando como as diferentes classes sociais organizam a geometria da cidade.
Quando a Guerra Civil Espanhola entregou a vitória ao nacionalista Franco, mais de 500 mil espanhóis fugiram. Uma tendência que começara até mais cedo nas regiões republicanas do norte de Espanha. Em Diarios del exilio reúnem-se filmes de arquivo e filmagens caseiras, que ilustram o êxodo massivo no pré-ditadura e documentam um dos mais marcantes pontos históricos do país. É também de fugas que se fala em How to Disappear, um ensaio construído em cima de um videojogo que reflecte sobre o papel dos desertores na guerra, abrindo, com isso, uma discussão em torno das políticas de armamento dos movimentos nacionalistas e as ideologias que marcam os exercícios em cenário de guerra. Em 1946, oito meses depois dos bombardeamentos atómicos, uma equipa de filmagem realiza uma longa-metragem no Japão. As bobinas conseguem sair do país, mas são imediatamente classificadas como material secreto pelas entidades Norte-Americanas. Em La Bobine 11004, Mirabelle Fréville explora o arquivo e filmagens daquele que foi o primeiro episódio de censura atómica da história.
Quando a equipa de Mi piel, luminosa (Nicolás Pereda e Gabino Rodríguez) se deslocou à Thomas More School para rodar, a pedido do Ministério da Educação, um documentário sobre a forma como estava a ser implementado o projecto “Improving Primary Schools”, estava longe de imaginar que encontraria uma história que viria a mudar a direcção do filme. Uma criança posta em isolamento na sala de aula devido a uma doença que lhe tirou o pigmento natural da pele passa a ser a figura central de um filme onde Pereda volta a derreter as fronteiras entre documentário e a ficção. Filmado no Harlem e nos jardins Claude Monet em Giverny na França, The Giverny Document é um poema cinematográfico que medita sobre a segurança e a autonomia corporal das mulheres negras. Cruzando animação, testemunhos de arquivo e entrevistas de rua, Ja’Tovia Gary explora a virtuosidade criativa das performers negras, enquanto nos lança um enunciado de questões sobre a forma como esses corpos incorporam heranças de trabalho forçado. Também discutindo o tema do racismo e da integração da comunidade negra no mundo, South acompanha duas organizações anti-racistas e anti-fascistas propondo um olhar sobre o poder das vozes colectivas e singulares na sociedade que construímos.
Destaque ainda para a estreia de Witness, do multi-premiado realizador Ali Asgari, Victor in Paradise, de Brendan McHugh, Look Then Below, o terceiro episódio da trilogia que Ben Rivers está a construir em torno do trabalho do escritor norte-americano Mark von Schlegell, Stump the Guesser, novo tomo na cinematografia surreal e onírica do canadiano Guy Maddin, Physique de la tristesse, a mais recente animação de Theodore Ushev, Color-blind, de Ben Russell, um retrato feito entre a Polinésia Francesa e a Bretanha, que segue o “fantasma” de Gaugin pelo legado colonial do presente e Casa Sol, de Lúcia Prancha, que explora o universo militante da escritora brasileira Hilda Hilst.
As novas confirmações juntam-se aos já anunciados focos nas obras de Isaki Lacuesta, Elena López Riera, Ana Elena Tejera e Ana Maria Gomes. A programação do festival, que este ano se realiza entre 3 e 11 de outubro, será revelado no decurso das próximas semanas, assim como os detalhes sobre a compra de bilhetes.
COMPETIÇÃO INTERNACIONAL
A Night At The Opera, Sergei Loznitsa, França, 2020, DOC, 19'48''
Bella, Thelyia Petraki , Grécia, 2020, FIC, DOC, 24'35''
Camille Sans Contact, Paul Nouhet, França, 2020, FIC, 15'
Correspondencia, Carla Simón, Dominga Sotomayor, Chile, Espanha, 2020, DOC, 19'29''
Diarios del exilio, Irene Gutiérrez, espanha, 2019, DOC, 43''
Dustin, Naïla Guiguet, França, 2020, FIC, 20''
Electric Swan, Konstantina Kotzamani, França, Grécia, Argentina, 2019, FIC, 40''
Empty Places, Geoffroy De Crécy, França, 2020, ANI, 08'30''
Filles Bleues, Peur Blanche, Marie Jacotey, Lola Halifa-Legrand, França, 2020, ANI, 10''
Forastera, Lucía Aleñar Iglesias, Espanha, 2020, FIC, 19''
Hidden, Jafar Panahi, França, Irão, 2020, DOC, 19''
Homeless Home, Alberto Vázquez, França, Espanha, 2020, ANI, 10'
How to Disappear, Total Refusal (Robin Klengel, Leonhard Müllner, Michael Stumpf), Austria, 2020, ANI, DOC, 21''
L’effort Commercial, Sarah Arnold, Suíça, França, 2020, FIC, 16'58''
La Bobine 11004, Mirabelle Fréville , França, 2020, DOC, 19'
Love Hurts, Elsa Rysto, França, 2020, FIC, 30'
Mi piel, luminosa, Nicolás Pereda, Gabino Rodríguez, México, Canadá, 2019, DOC, 39'
Nina, Hristo Simeonov, Bulgária, 2020, FIC, 19'57''
On Est Pas Près D’être Des Super Héros, Lia Bertels, Bélgica, Portugal, 2019, ANI, 12'48''
Os Olhos Na Mata E O Gosto Na Água, Luciana Mazeto, Vinícius Lopes, Brasil, Alemanha, 2020, DOC, 36'20''
Physique de la tristesse, Theodore Ushev, Canadá, 2019, ANI, 27'
Pour Elsa, Carmen Leroi, França, 2020, FIC, 30'
Rio, Zhenia Kazankina, Rússia, 2019, FIC, 22'
Something To Remember, Niki Lindroth von Bahr, Suécia, 2019, ANI, 5'
Souvenir Souvenir, Bastien Dubois, França, 2020, ANI, 15'
Stump the Guesser, Guy Maddin, Evan Johnson, Galen Johnson, Canadá, 2019, FIC, 19'
Subject to Review, Theo Anthony, EUA, 2019, DOC, 38'
The End Of Suffering (A Proposal), Jacqueline Lentzou, Grécia, 2020, FIC, 14'15''
The Kites, Seyed Payam Hosseini, Irão, 2020, FIC, 14'
The Unseen River, Pham Ngoc Lân, Vietname, Laos, 2020 , FIC, 23''
Victor In Paradise, Brendan McHugh, EUA, 2020, FIC, 13'20''
Waste No.4 New York, New York, Jan Ijäs, Finlândia, EUA, 2020, DOC, 19'30''
Witness, Ali Asgari, França, Irão, 2020, FIC, 14'51''
COMPETIÇÃO EXPERIMENTAL
Aggregate States of Matters, Rosa Barba, Perú, Alemanha, 2019, DOC, 21'20''
Autoficción, Laida, EUA, Espanha, Nova Zelândia, 2020, EXP, 14'
Casa do Sol, Lúcia Prancha,, Portugal, Brasil, 2020 , EXP, 12'01''
Cézanne, Luke FowlerReino Unido, França, 2019, EXP, 6'36''
Color-blind, Ben Russell, França, Alemanha, 2019, EXP, 30'
Extraction: The Raft Of The Medusa, Salomé Lamas, Portugal, Suíça, Itália, 2019, 2020, EXP, 10'43''
Jiíbie, Laura Huertas Millán, Colômbia, França, 2019, DOC, 25''
Look Then Below, Ben Rivers, Reino Unido, 2019, EXP, 22'30''
Notes Imprints (On Love) Part I, Alexandra Cuesta, EUA, Equador, 2019, EXP, 18'40''
People on Sunday, Tulapop Saenjaroen, Tailândia, 2020, EXP, 20'53''
Plática de una Flor, Helena Estrela, Espanha, 2020, EXP, 2'44''
South, Morgan Quaintance, Reino Unido, 2020, DOC, EXP, 28'15''
The Giverny Document (Single Channel), Ja'Tovia M. Gary, EUA, França, 2019, EXP, 40'
THORAX, Siegfried A. Fruhauf, Austria, 2019, EXP, 8'
Una Película En Color, Bruno Delgado Ramo, Espanha, 2019, DOC, 26'46''
Está fechada a programação para a secção infanto-juvenil do Curtas que, este ano, reforça o seu trabalho junto do público escolar. Com um programa que se alarga também às escolas, onde serão realizadas, diversas sessões de cinema durante e pós-festival, o Curtinhas contará, em 2020, com um espaço totalmente dedicado ao público escolar.
O Auditório Municipal de Vila do Conde será então a sala dedicada para a mostra de filmes aos alunos provenientes das escolas da região. Uma decisão que visa reforçar as medidas de segurança do evento, face ao cenário de pandemia que atravessamos. As inscrições para escolas estão já abertas, estando estabelecido um limite máximo por sessão de três turmas de escolas diferentes e 5 turmas de uma mesma escola.
Apontando também para o reencontro das famílias com o cinema, o Curtinhas organizará ainda sessões familiares, numa selecção de filmes que percorrem os universos e interesses de diferentes idades. A terem lugar no Teatro Municipal de Vila do Conde, haverá sessões para Maiores de 3, Maiores de 6 e Maiores de 10, assim como dará continuidade à programação My Generation, secção que envolve alunos entre os 14 aos 18 anos de escolas da região, responsáveis por escolher estes filmes, promover esta acção dentro do espaço escolar, elaborar de textos e sinopses e apresentar estas sessões.
Chamar-se-á New Voices a nova secção não competitiva do Curtas de Vila do Conde que pretende ser um espaço para a mostra de realizadores emergentes, cuja obra de curtas e primeiras longas metragens constitua já um corpo de trabalho consistente e diferenciador. Numa altura em o cinema se debate com novos desafios à sua distribuição, este espaço programático solidifica o compromisso do festival vila condense para com a descoberta de novas tendências e o apoio à cinematografia que marcará o futuro do sector. Para a primeira edição a escolha recai sobre três realizadoras, com diferentes conexões ao próprio festival, cujo trabalho, em filme, performance e instalação, tem espelhado, de forma particularmente idiossincrática, questões de identidade, sentimento de pertença e conexão a territórios. Elena López Riera, Ana Elena Tejera e Ana Maria Gomes são as novas vozes para conhecer entre 3 e 11 de outubro.
Elena López Riera é uma artista visual e cineasta espanhola, trabalhando, desde 2008 na Suíça, onde leciona cinema e literatura na Universidade de Genebra. É co-fundadora do colectivo Lacasinegra dedicado à pesquisa e experimentação de novos dispositivos audiovisuais. A sua primeira curta metragem, Pueblo, estreou no Festival de Cinema de Cannes e o seu filme Las vísceras foi selecionado para o Festival de Cinema de Locarno, onde viria a ganhar o Poardino de D'oro, em 2018, com Los que desean. O seu trabalho interroga as formas como as novas gerações questionam o património cultural transmitido, bem como as formas como as ações individuais representam a consciência coletiva.
Cineasta, produtor, cenógrafo, ensaísta, escritor e curador, Isaki Lacuesta é um dos mais interessantes e destacados artistas espanhóis da atualidade. Com um corpo de trabalho que faz disparar o diálogo entre o cinema e as mais diferentes áreas artísticas, tem na versatilidade um dos mais importantes traços de uma obra que derrete as fronteiras entre a cultura académica e a cultura popular. Tendo ocupado um lugar na crítica de cinema muito antes de se tornar realizador, não é de espantar que o discurso artístico de Lacuesta se construa em cima de um convite constante para a multiplicação dos pontos de vista e formas de olhar, uma premissa que se espalha para lá da tela na várias experimentações e incursões artísticas que pautam o seu percurso. Da dança, à música, da pintura, à literatura ou arquitectura, é longa e multiversa a lista de áreas em que o espanhol tem vindo a intervir. Com mais de uma mão cheia de filmes e documentários para TV, a sua obra tem vindo a ser mostrada um pouco por todo o mundo, em espaços tão referenciais como o MOMA, a National Gallery em Washington ou o Centro Pompidou em Paris.
O programa seleccionado para a secção InFocus do Curtas de Vila do Conde incluirá curtas e longas metragens, assim como a primeira exposição do autor em Portugal. A ter lugar na Solar – Galeria de Arte Cinemática a mesma versará sobre a dimensão expositiva do trabalho de Lacuesta, que estará presente em Vila do Conde para apresentar os seus filmes e participar de uma conferência aberta a jornalistas e público. Isaki Lacuesta será acompanhado por Isa Campo, parceira inquestionável de criação, quer na escrita da maioria dos argumentos dos seus filmes, quer na partilha da sua realização. O Curtas Vila do Conde decorre, este ano, entre 3 e 11 de outubro apresentando um novo formato, adaptado à nova realidade e hábitos de consumo. A par da edição em sala que volta a ter como espaços centrais o Teatro Municipal de Vila do Conde, o Auditório Municipal e a Solar, o evento promoverá um conjunto de iniciativas em formato online, alargando assim a sua área de acção e permitindo que o encontro entre o público e os cineastas possa acontecer de forma segura e próxima. Previstas estão então a calendarização de sessões em formato VoD, numa parceria com a Shift72, assim como a realização de debates, entrevistas e masterclasses em ambiente virtual.
A programação do festival será revelada no decurso dos próximos meses, assim como os detalhes sobre a compra de bilhetes.
O 28º Curtas Vila do Conde tem o apoio do programa MEDIA/Europa Criativa, da Câmara Municipal de Vila do Conde, do Ministério da Cultura, do Instituto do Cinema e Audiovisual e de vários parceiros imprescindíveis à realização do festival.