O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do Workshop Crítica de Cinema realizado durante o Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Este Workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, na página do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.
Por Ana Belo
Daniel Mulloy, realizador de Home (2016), filme a concurso na Competição Internacional do Curtas Vila do Conde 2016 e nomeado para os European Film Awards, afirmou, numa entrevista, estar interessado na possibilidade de se dizer uma coisa, significando, na realidade, outra. Home acompanha, num registo realista, uma jovem família britânica de classe média, cujo acordar abre o filme que adivinharíamos ser, à primeira vista, um drama familiar. Mulloy contraria expectativas e conduz o casal e os seus dois filhos, ainda pequenos, numa perigosa viagem rumo a um país desconhecido.
Ignoramos as suas exactas motivações – políticas, económicas? –, mas a ideia do realizador parece ser recriar de modo geral a difícil travessia de milhares de migrantes e refugiados, nomeadamente aqueles que têm vindo a protagonizar a maior crise migratória na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, introduzindo nessa recriação um elemento excêntrico – alguns espectadores talvez só esperassem ver uma família branca de classe média envolvida em semelhante fuga numa saga de ficção científica passada no dia anterior ao apocalipse.
O realizador constrói um simulacro para, através dele, interpelar os espectadores. Comovendo, pergunta implicitamente: “E se fosse contigo?”; dando-lhe, como diria alguém, “um murro no estômago”. Mulloy quer pôr em evidência o facto de o espectador ocidental se solidarizar quase de imediato com aquela família apenas por mais facilmente se identificar com ela. A propósito, importa destacar que o filme surge essencialmente como uma campanha de sensibilização – foi produzido com o apoio das Nações Unidas e teve estreia no Dia Mundial do Refugiado.
Nesse contexto, parece relativamente bem sucedido, ainda que os espectadores se dividam: por um lado, aqueles que submergem numa onda de empatia, que responde ao interesse do realizador; por outro, aqueles que acham que Mulloy foi longe demais (à semelhança de infelizes perguntas como “o que levaria consigo se tivesse de deixar o seu país como refugiado?”), por reconstituir situações graves que parece desrespeitoso, e até ingénuo, passar tempo, “por desporto”, a imaginar.
Há, numa produção como esta, um certo cinismo. Enquanto filme-campanha terá de existir em função do seu objectivo. Mas se o seu objectivo não é cumprido por mais do que 5 minutos, então o que verdadeiramente se fez não foi despertar consciências, mas inquietá-las levemente (nunca em demasia), para de seguida as adormecer – com o bónus de oferecer a uma massa entorpecida a presunção de que não o é.
O mérito desta curta-metragem é, pois, a forma como desdiz o seu realizador. A ironia que Mulloy celebrava está, não nele, mas no próprio objecto que criou. Ao tentar consciencializar os espectadores do seu filme, o implícito elogio da fraternidade não sobrevive ao que de mais terrível Home revela – e que, atendendo ao que até agora se escreveu sobre o filme, parece ter passado despercebido: a impossibilidade de uma pessoa se colocar na pele de outra torna falível a esperança de que a solidariedade entre povos ou comunidades possa basear-se num princípio de identificação com o vizinho. Por norma, é precisamente a não identificação que justifica a intolerância (resquícios de um atávico instinto de conservação). O próprio Mulloy, pelas suas opções, subscreve a ideia de que só protagonistas criados à imagem dos espectadores podem levar à compreensão do problema – aqui, a crise dos refugiados.
O choque que o filme provoca pode ser intenso, mas é, certamente, muito pouco duradouro (talvez porque quando se extirpa um mal, ou a sua iminência, se extirpa também a persistência desse mal na mente de quem o sofreu). Exercícios como os de Mulloy, não acompanhados de acções mais consistentes, pouco mais são do que boas intenções. Home é ainda assim, e considerando tudo isto, um filme valioso pela subtil contradição entre o que aparenta ser e aquilo que uma segunda observação revela.
Texto editado por Paulo Cunha e Daniel Ribas.
O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do Workshop Crítica de Cinema realizado durante o Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Este Workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, na página do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.
Por Alexandre Marinho
Como não pensar no Mystery Man de Lost Highway (1997) de David Lynch – interpretado por Robert Blake – no comportamento sádico do protagonista de Diário de um fotógrafo de casamentos (2016), a última curta-metragem de Nadav Lapid vencedora do Grande Prémio da Competição Internacional da 24ª edição do Curtas Vila do Conde? Ambos são encenadores demiúrgicos providos da capacidade de influenciar os comportamentos daqueles que eles filmam. Tanto um quanto o outro assemelham-se a voyeurs de uma realidade inconsciente da sua ficcionalidade, quando não desejosa desta.
Acompanhamos a rotina de um antigo estudante de arte reconvertido em fotógrafo de casamentos, um homem desiludido com as relações humanas e com as suas pretensões artísticas, alguém, portanto, que migrou do idealismo para um pragmatismo cínico majorado de uma predisposição fetichista por noivas. Perscrutamos através da sua câmara o nosso carácter mitómano, a necessidade inconsciente de auto-ficcionar a nossa identidade e a nossa felicidade. Os planos do fotógrafo são constantemente reenquadrados conforme o imaginário que os noivos pretendem projetar, e isso ao ponto desses entrarem radicalmente em conflito com o cenário da realidade. Embora ele já tenha acompanhado cerca de setecentos casamentos, o primeiro, aquele em que ele não filmara por inadvertência os principais focos da cerimónia, continua sendo o melhor, o mais sincero.
As sessões fotográficas com os noivos surgem, assim, como oportunidades ideais de diagnosticar a angústia e as incertezas que antecedem a cerimónia (institucional) da ficcionalização do amor por excelência, o casamento. Sob a direção do fotógrafo-psiquiatra, os noivos “realizam” o contraste entre a realidade e a felicidade que lhes é pedida encenar e a que eles julgavam possuir. A constatação das suas identidades ficcionais concretiza-se numa fuga cujo desfecho pode, por vezes, revelar-se trágico.
Presente na Semana da Crítica 2016 do Festival de Cannes, esta que é a quinta curta-metragem de Nadav Lapid reflete uma exploração irónica, perturbante e mordaz do materialismo da sociedade israelita já patente nas suas duas longas-metragens, The Kindergarten Teacher (2014) e O Polícia (2011), vencedor do Prémio Especial do Júri do 64º Festival de Locarno. Cineasta em ascensão, Nadav Lapid continua na senda de uma filmografia cáustica da nossa contemporaneidade.
Texto editado por Paulo Cunha e Daniel Ribas.
O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do Workshop Crítica de Cinema realizado durante o Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Este Workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, na página do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.
Por Vítor Romba
Sobre a égide da consciência do espírito experimental, observamos um infinito cromático de imagens compostas por graciosos e delicados fios de espiral de energia que se transformam em células microscópicas misteriosas de poeira, ilustrando a sensação do nascer da vida, como que a uma viagem ao despoletar da essência, efeito cósmico de matéria-prima que nos enraíza na consciência planetária das imagens.O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do Workshop Crítica de Cinema realizado durante o Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Este Workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, na página do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.
Por Pedro Dourado
A grega Erin Vassilopoulos regressa ao Curtas Vila do Conde com Valeria, produzido em 2016, depois de ter deixado a sua marca na edição anterior do Festival com Superior (2015). Se em Retrospective, de Salla Tykkä, somos convocados a questionar a verosimilhança das imagens que retemos na nossa memória, em Valeria somos confrontados com uma ideia de rosto da memória, uma identidade física e psicológica de alguém, passível de ser transmissível a um corpo diferente; uma transferência, uma apropriação de todas as marcas que fazem cada ser humano diferente entre si, como se no final de contas a identidade individual, aquilo que torna possível o “eu”, fosse um apetrecho artificial, dessa grande massa uniforme a que chamamos identidade colectiva.
Em Valeria, Vassilopoulos apresenta-nos os danos colaterais do que seria o sucesso de uma operação plástica (a reconstrução facial de uma rapariga, Eva, graças ao rosto de outra, depois de se suicidar) como metáfora para falar sobre a singularidade, ou não, da memória individual de cada humano. Eva não se reconhece naquele rosto, sente que o corpo é seu, mas há algo de particular nas feições que lhe provoca uma inquietação. Eva sente que a sua identidade é agora partilhada com a rapariga defunta. Não sabemos se tal acontecimento irregular é um acto de compaixão (ou fetiche) por aquela que se suicidou, mas podemos afirmar com clareza que Eva sente que deve algo a esta rapariga que se suicidou.
Percorremos com Eva os seus lugares reconhecíveis, nos subúrbios de classe burguesa americana, num ambiente a roçar entre o vitoriano e o kitsch; saltamos para uma mise-en-scène análoga à atmosfera de David Lynch, mas numa versão apática e com uma cenografia pós-Ikea. O filme começa por ter um ponto de partida interessante, mas o desenrolar da estória é estruturado por uma pobre plasticidade entre a arquitectura dos planos e o discurso narrativo dos corpos que enquadram o ecrã. O filme ressalva uma preocupação na forma (óptima fotografia), mas demonstra, apesar de disso, uma concepção redutora do discurso narrativo. Ainda que seja possível vermos planos aproximados de rostos, de corpos e interiores, Vassilopoulos cria uma tensão dramática cativada pela (in)expressividade das personagens, incluíndo Eva (a protagonista), que habitam aqueles lugares, resultando, no seu todo, num filme fácil de mastigar.
Texto editado por Jorge Mourinha.
Até outubro, as extensões do 24º Curtas Vila do Conde vão levar alguns dos filmes premiados no festival a 15 cidades portuguesas: Almada, Barcelos, Braga, Castelo Branco, Chaves, Coimbra, Leiria, Lisboa, Marvão, Matosinhos, Ponte de Lima, Porto, Santo Tirso, Sardoal, Vila Nova de Famalicão e Vila Real. Os dois programas – “Best of Curtas Vila do Conde” e “Curtinhas” – são uma seleção de filmes, para adultos e crianças, premiados nas diversas competições do festival.
Na sessão “Best of Curtas Vila do Conde” são apresentados “António, Lindo António”, de Ana Maria Gomes (Prémio BPI + Pixel Bunker para o Melhor Filme da Competição Nacional e Prémio do Público SPA), um documentário que procura saber as razões pelas quais o tio da realizadora, que partiu há 50 anos para o Brasil, nunca mais voltou à sua aldeia; “Home” de Daniel Mulloy (Prémio de Melhor Curta Metragem Europeia), uma homenagem aos refugiados que chegam à Europa em busca de uma nova vida; e “Decorado” de Alberto Vázquez (Prémio de Animação da Competição Internacional e Prémio do Público Niepoort), uma espécie de fábula existencialista de humor corrosivo, em que as personagens são animais antropomórficos e, muitas vezes, terríficos e doentios.
O programa “Curtinhas”, destinado aos mais novos, apresenta uma seleção de filmes exibidos nesta secção do festival onde o júri é composto por um grupo de crianças entre os 6 e os 12 anos. “Moom”, de Robert Kondo e Daisuke 'Dice' Tsutsumi (Prémio MAR Shopping); “Moroshka”, de Polina Minchenok (Menção Honrosa M/3); e “Há Pânico na Aldeia: O regresso às Aulas” de Vincent Patar e Stéphane Aubier (Menção Honrosa M/9) são alguns dos filmes que integram essa sessão.
Em Lisboa, a Cinemateca Portuguesa vai receber três sessões especiais dedicadas ao Curtas Vila do Conde. A primeira, a 21 de julho, apresenta os filmes “Setembro” de Leonor Noivo, “A Brief History of Princess X” de Gabriel Abrantes e “António, Lindo António” de Ana Maria Gomes, com a presença de alguns dos realizadores. No dia seguinte, é exibida uma seleção dos premiados da competição internacional com “Limbo” de Konstantina Kotzamani, “Decorado” de Alberto Vázquez e “From the Diary of a Wedding Photographer”, de Nadav Lapid. A 23 de julho, é apresentado o DVD com as curtas-metragens de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, lançado pelo Curtas Vila do Conde em parceria com a FNAC. Serão exibidos os filmes “Parabéns”, “O Que Arde Cura” e “Mahjong”.
No Porto, a Casa da Animação recebe uma sessão especial com uma seleção de filmes de animação e o ciclo de cinema Há Filmes na Baixa apresenta alguns dos documentários exibidos no Curtas Vila do Conde.
A 24ª edição do Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema decorreu entre 9 e 17 de julho com o apoio da Câmara Municipal de Vila do Conde, do Ministério da Cultura, do Instituto do Cinema e Audiovisual e de vários parceiros imprescindíveis à realização do festival.
PORTO
Há Filmes na Baixa!
Passos Manuel
20 JUL
22:00 Seleção de documentários
Casa da Animação
Museu Soares dos Reis
21 JUL
22:00 Seleção de filmes de animação
BARCELOS
Teatro Gil Vicente
21 JUL 15:00 Curtinhas
28 JUL 21:30 Best of Curtas Vila do Conde
LISBOA
Cinemateca Portuguesa
21 JUL 21:30 Premiados Competição Nacional
22 JUL 19:00 Premiados Competição Internacional
23 JUL 21:30 Curtas-metragens de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
SARDOAL
Centro Cultural Gil Vicente
23 JUL Best of Curtas Vila do Conde
16:00 e 21:30
BRAGA
Gnration
25 JUL
10:00 Curtinhas
26 JUL
14:00 Curtinhas
27 AGO
22:00 Best of Curtas Vila do Conde
LEIRIA
Teatro Miguel Franco
27 JUL
21:30 Best of Curtas Vila do Conde
MATOSINHOS
Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery
28 JUL
21:30 Best of Curtas Vila do Conde
PONTE DE LIMA
CAL - Associação Cultural
30 JUL
22:00 Best of Curtas Vila do Conde
SANTO TIRSO
Centro Cultural Municipal de Vila das Aves
30 JUL
15:00 Curtinhas
21:30 Best of Curtas Vila do Conde
VILA REAL
Teatro de Vila Real
2 AGO
14:30 Curtinhas
22:00 Best of Curtas Vila do Conde
COIMBRA
Fila K Cineclube
Mosteiro de Santa Clara-a-Velha
2 AGO
21:40 Best of Curtas Vila do Conde
Universidade de Coimbra
Teatro da Cerca de São Bernardo
1 OUT
11:00 Curtinhas
MARVÃO
Sala Arenense, Santo António das Areias
17 AGO
11:00 Curtinhas
CASTELO BRANCO
Cine-Teatro Avenida
6 SET
21:30 Best of Curtas Vila do Conde
CHAVES
Cineclube de Chaves
Teatro Experimental Flaviense
24 SET
21:30 Best of Curtas Vila do Conde
ALMADA
Academia Almadense
29 OUT
21:30 Best of Curtas Vila do Conde
VILA NOVA DE FAMALICÃO
Casa das Artes
30 OUT
15:00 Curtinhas
O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do Workshop Crítica de Cinema realizado durante o Curtas Vila do Conde - Festival Internacional de Cinema. Este Workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, na página do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.
Por Natacha Moreira
Uma aldeia no Portugal profundo. Uma premissa da qual já outros documentários partiram, e com imensa tradição no cinema português, desde o mais recente Volta à Terra (2015, de João Pedro Plácido) até clássicos como Nós por cá todos bem (1976, de Fernando Lopes), Vilarinho das Furnas (1971, de António Campos) ou Máscaras (1976, Noémia Delgado), só para citar alguns exemplos. Nestes filmes é abordada uma realidade “típica e rústica” que só por si e dado o seu contexto é sempre rica em histórias e personagens desarmantes e genuínas. É, no entanto, nesta abordagem directa e praticamente sem mediação com o objecto do filme que se denotam as insuficiências de, por exemplo, Volta à Terra e que poderiam, também, surgir em António, lindo António, em que o objecto filmado se torna per si no filme, o sujeito e o predicado, inexistindo um olhar ou uma mediação do autor, tornando como que supérfluo quem filma e o porquê.
No caso do documentário da realizadora luso-descendente Ana Maria Gomes, é um regresso às origens, numa tentativa de descobrir porque razão um tio seu, que emigrou há 50 anos para o Brasil, nunca mais regressou à sua aldeia de origem. Mas o filme acusa, à partida, uma ainda maior dificuldade em não se tornar um documentário inofensivo e previsível: o “regresso à terra” de uma realizadora filha de emigrantes, o regresso à aldeia da família e a uma ideia de ruralidade “castiça” e sempre muito exótica (atente-se no sucesso em festivais internacionais do filme de João Pedro Plácido).
Ora, é, assim, de alguma forma surpreendente que desde o início a realizadora se tenha afastado um pouco dessa ideia, introduzindo não só a sua avó, que tem, é certo, todos os predicados exigidos para se tornar só e apenas ela o expectável interesse do filme, mas, também, a espaços, questionando, como que a direccionando e ao espectador para o que lhe interessa ou intervindo como uma consciência num confronto entre o rural e o urbano e as suas dicotomias.
Ao longo do filme, avó e tios falam sobre o passado, imaginam o presente, num registo entre saudosismo do lindo António e ressentimento, tentando encontrar as razões para a ausência, normalmente com o trabalho em fundo e só com brevíssimos flashes de festa, pois a vida é trabalho e o trabalho é vida, enquanto a fundo negro, uma voz com sotaque brasileiro descreve o tio, para mais tarde o que aparentava ser a descrição de alguém que lhe era próximo, ser, afinal, apenas uma leitura de cartas de tarot.
E é nessa mudança do cinzento rural para um musical Rio de Janeiro que a realizadora se solta e ao próprio filme, numa leveza e descontracção que ainda não tinha existido, brincando com entrevistas e com quem se cruza, numa sequência de praia e dança, para, no final, encontrarmos o tio com o seu acordeão, longe no Brasil mas sempre perto de Portugal. Acordeão que é tocado para a mãe por outros (pensa ela no filho?) ou depois pelo próprio filho regressado, num breve momento final que, num só plano com mãe e filho, consegue traduzir todas as inquietações que uma presença após 50 anos pode desencadear.
Texto editado por Jorge Mourinha.