Realizado em 1965, “Les Îles Enchantées” foi um fracasso comercial e durante muitos anos tornou-se uma raridade, antes de ser restaurado e reposto em circulação. Baseado num conto de Herman Melville, o filme de Carlos Villardebó não pertence a nenhum género, é um objecto isolado e original, de forte teor “literário”, narrado no passado por uma voz off. É um filme muito bem realizado, que faz jus à obra-prima literária em que se baseia. Tudo se passa entre o real e o imaginário (“vou contar uma história que a muitos não parecerá credível”), como se a história narrada, na qual os diálogos são escassos, fosse um sonho ou uma alucinação. Toda a acção consiste numa espera, marcada por um estranho encontro numa ilha isolada. A banda sonora, confiada a Philippe Arthuys, um nome vindo daquilo que nos anos 50 e 60 se chamava a música concreta, é esparsa e mistura de modo complexo sons musicais reconhecíveis e ruídos diversos, nem sempre reconhecíveis. O aspecto mais insólito do filme talvez seja a presença de Amália Rodrigues, mostrada de maneira totalmente oposta à sua imagem de vedeta do fado: quase não fala, evidentemente não canta e tem gestos quase hieráticos. Surge como uma figura austera e misteriosa e Villardebó consegue captar muito bem a força da sua presença em memoráveis grandes planos do seu rosto. A presença de Amália Rodrigues neste filme torna verdadeiramente insólita a de Pierre Clémenti, pois muito poucos espectadores associariam estes dois nomes, que pertencem a universos totalmente diferentes. “Les Îles Enchantées” é o quinto filme de Clémenti, então com 23 anos (o seu filme anterior fora Il Gattopardo, de Visconti, no papel de um filhos do príncipe encarnado por Burt Lancaster). Vemos aqui Clémenti antes de ser Clémenti, dois anos antes de Belle de Jour, de Buñuel, que é o filme no qual se delineia a beleza tenebrosa que definirá a sua presença no cinema. Como objecto cinematográfico e pelo facto de mostrar duas figuras célebres de maneira oposta à que estamos habituados, “Les Îles Enchantées” é um filme que merece ser (re)descoberto. Antonio Rodrigues