Numa surpreendente viragem de género, o quarto filme de Reichardt ensaia uma aproximação ao western. “O Atalho” prolonga a sua obsessão por outsiders, mas colocando-os no contexto da descoberta do oeste selvagem, no ano de 1845. É também uma variação do road movie porque acompanha um grupo de homens brancos que procura a Cordilheira das Cascatas no interior do Oregon. As variações de género e de época não impedem, assim, Reichardt de se manter fiel ao espaço geográfico dos filmes anteriores e também da procura de um certo “sonho americano” sempre falhado. É novamente protagonizado por Michelle Williams (Emily), mas também por Paul Dano (Thomas) e Bruce Greenwood (Stephen Meek). O filme é uma nova colaboração com Jon Raymond, que aqui assina o argumento com Reichardt. O grupo das três famílias protagonistas contratou o mercenário Stephen Meek para os guiar nesta viagem, mas o homem parece, a todo o momento, contradizer-se e não ser fiel ao seu próprio caminho (o “atalho” do título). Esta viagem tem, assim, tudo para correr mal, até porque à medida que parece estar cada vez mais perdido, o grupo tem também escassez de água, o que o coloca num estado de sobrevivência. No limite das suas forças, o grupo tem que confiar no índio que entretanto aprisionara para encontrar de novo o caminho para a água. O racismo é tremendo – Meek quer, aliás, matar de imediato o índio – e confrontam-se nesse momento questões religiosas: os atos incompreensíveis do índio (ao pintar as paredes) e o desespero dos brancos. “O Atalho” é, de novo, um filme que aposta num minimalismo narrativo e, ao contrário do tradicional do western, dá primazia à inteligência das mulheres. Neste sentido, subverte as regras, exibindo os pequenos gestos diários destas personagens (alimentar os animais; ultrapassar obstáculos geográficos), num contexto particularmente adverso. É um filme sobre sobrevivência, gestão de poder e medo do desconhecido. “O Atalho” estreou mundialmente no Festival de Veneza, confirmando Kelly Reichardt como um dos novos e promissores rostos do cinema indie americano. Venceu prémios no Festival de Gijón e dos Independent Spirit Awards. Foi também um sucesso de bilheteira e estreou comercialmente em Portugal.