O trabalho de Matthias Müller na utilização de ‘found footage’ tem sido um dos mais prolíficos das duas últimas décadas (muitas vezes em parceria com Christoph Girardet). Em “Home Stories”, uma das suas primeiras obras, o autor ensaia um método de abordagem aos filmes, neste caso reunindo um acervo significativo de melodramas de Hollywood dos anos 50 e 60 (filmados diretamente do ecrã da televisão), centrando-se nas suas protagonistas femininas, algumas das mais célebres atrizes do cinema clássico, como Lana Turner, Tippi Hedren e Grace Kelly, entre outras. Esta espécie de ‘supercut’, para utilizar uma linguagem digital, aglutina alguns momentos que estas protagonistas vivem nos melodramas, isolando, sobretudo, as suas presenças no quarto ou na casa de família. A obsessão pelos planos próximos, pelos movimentos das personagens, ou pelo sentimento exagerado das atrizes carrega as sensações de solidão e mesmo de claustrofobia, tornando o filme num ensaio sobre o papel da mulher no género e na forma como é retratada, sempre a partir de um enclausuramento dentro das rígidas estruturas de poder patriarcal. O filme tornou-se também numa espécie de libelo pelos melodramas, um género proscrito que nos últimos anos tem sido recuperado nos estudos fílmicos. A banda sonora, especialmente criada por Dirk Schäfer, reforça a insistência em determinados dispositivos formais e de ‘mise-en-scène’, como portas, escadas, janelas, que adquirem uma potência de significado nos melodramas (sendo essa potência demostrada pelo seu isolamento no ensaio). O trabalho de Müller insiste, especialmente, nas repetições de gestos ou movimentos, numa estratégia que o cinema experimental usou e usa de forma abundante, acentuando a redundância dessas estratégias cinematográficas. Um filme que desconstrói as perspetivas de género (quer sejam sexuais, quer sejam cinematográficas) para analisar o funcionamento interno dos melodramas. (DR)