A entrada de Godard no novo século fez-se com este imenso filme, poema sombrio e testemunha da incompreensão do nosso mundo. Encomenda do Festival de Cannes para celebrar a passagem para o novo milénio, está longe, demasiado longe de qualquer comemoração festiva, passando em revista o século passado e celebrando sobretudo o Cinema e a História como armas contra o esquecimento: as origens do Século XXI e daquilo que somos hoje são, afinal, os campos de extermínio, o Vietname, a explosão da Jugoslávia, a guerra civil de Espanha, o ruído das explosões e os gritos de sofrimento. “É necessário que entendas que os homens, tomados como uma multidão, jogam sempre o jogo de um outro, nunca o seu próprio”, ouvimos a certa altura, entre as inúmeras citações que em Godard não são um mero vício estilístico, mas uma questão essencial de criação cinematográfica. Como a autocitação através do famoso plano de Jean Seberg em “A bout de souffle” (1960) que sucede a imagens da guerra do Vietname: “Qu’est-ce que c’est dégueulasse?”. “De l'origine du XXIème Siècle” poderá ser, 40 anos mais tarde, a resposta. (MD)