Se um documentário é sempre um processo de aprendizagem para o próprio realizador, no sentido em que, à medida que vai filmando o seu objeto, o vai descobrindo e conhecendo mais aprofundadamente, este filme, presente em Cannes 2016, leva tal ideia a um inteligente grau de literalidade “visual”. De facto, num movimento simultaneamente fílmico e epistemológico de “dentro para fora” (característico, justamente, de todo o processo de aprendizagem), do exterior para o interior, as realizadoras partem de um jardim abandonado para entrar na casa de Abigail Lopes, mulher que sempre se bateu pela pacificação e convivência entre índios e não-índios e que inclusivamente viveu durante oito anos, com o seu companheiro e histórico sertanista Francisco Meireles, junto dos índios Xavantes da Serra do Roncador (Mato Grosso). Sempre de câmara à mão, as realizadoras vão andando, literalmente, “de porta em porta” (de obstáculo em obstáculo), quase sempre no escuro, desse modo progredindo, às “apalpadelas”, na decrépita casa, cuja forma labiríntica rima com a dimensão mágica, mística, espiritual (no caso, o candomblé) de Abigail, patente nos objetos de culto e outras memórias que pululam neste “templo” improvisado. O registo documental (alternado com valiosas imagens de arquivo dos índios Xavantes nos anos 40), sendo predominante, não deixa de ser “provocado” por um ou outro elemento de ficção, desde logo a mulher (Abigail?) que a câmara vai perseguindo num jogo do “gato e do rato” no qual, à medida que mais nos aproximamos dela, mais ela nos continua a escapar (não é assim todo o processo de aquisição de conhecimento?). (FN)