Selecionada para a Semana da Crítica de Cannes 2016, “Diamond Island” é a primeira longa-metragem de ficção de Davy Chou, cineasta nascido em França mas com raízes familiares no Camboja e autor do documentário “Golden Slumbers” (2012) sobre a “era dourada” do cinema cambojano dos anos 60 e 70 (praticamente varrido do mapa pelos khmers vermelhos). A longa prolonga, quer no plano formal como no material (há cenas inclusivamente filmadas nos mesmos espaços), o olhar da sua curta anterior – “Cambodia 2099” (2014), presente na Quinzena dos Realizadores de Cannes 2014 e vencedora do Grande Prémio do Curtas no mesmo ano – sobre o Camboja atual (sobretudo sobre a sua população mais jovem) e suas transformações a um nível transversal: económicas e sociais, sim, mas também culturais (o lugar da família, os movimentos migratórios), urbanísticas, identitárias (extensíveis, de resto, aos restantes países do sudeste asiático). Com a profundidade que a maior duração da longa permite, Chou documenta essas convulsões a partir da história de um rapaz que abandona a sua aldeia para ir construir um empreendimento imobiliário de luxo, novo-riquista e ostentatório, na capital proto-futurista Phnom Penh. É como se, de alguma forma, o “Cambodia 2099”, i.e., a ideia (não o filme) de um Camboja “do futuro”, se materializasse nesse ‘dream come true’ do capitalismo consumista mais agressivo chamado “Diamond Island”, cuja insularidade (de “Island”) rima com o elitismo e o exclusivismo do empreendimento. Os sonhos e o desejo de evasão, de um lado, o futuro e a interrogação sobre o porvir, do outro; estes são, programaticamente falando, os eixos por onde passa todo o cinema de Chou, sendo várias as “terras prometidas” a que as personagens se referem, em ambos os casos ilusões frustradas: os EUA, sim (como na curta anterior), mas também a Malásia, por exemplo (e o próprio “Diamond Island” é, metaforicamente, todo ele um “sonho em construção”). Se o pendor realista se faz notar (a pobreza, o trabalho infantil, a degradação habitacional, o choque entre ricos e pobres), no que ecoa um filme como o “Los Olvidados” de Buñuel (sobretudo nos planos dos miúdos inseridos na paisagem de “escombros” da cidade), é o registo melodramático, porém, que interessa a Chou na construção das personagens e do ambiente de “melancolia de metrópole” em que elas giram (poeticamente potenciado pelas cores e neóns noturnos, a evocar algum do cinema americano dos anos 70 e 80), com destaque para a de Solei, o irmão de Bora que é “financiado” por um ambíguo ‘sponsor’ americano e de quem alguém diz ninguém conhecer realmente bem (no seu mistério e penumbra trazendo à memória o irmão mais velho de “Rumble Fish”…). Se Rithy Panh tem, por todos os motivos, sido o porta-estandarte do melhor cinema cambojano que temos visto, Chou é, definitivamente, outro dos nomes que merece um acompanhamento atento daqui em diante. (FN)