A felicidade não é alegre. Afinal, como é que o tempo se inscreve nos filmes? Submergidos pelas ilusões pueris do direto televisivo, deixámos de colocar esta questão. Ao filmar a "origem" do século XXI (satisfazendo uma encomenda para a edição nº 60 do Festival de Cannes), Jean-Luc Godard oferece-nos 16 minutos de pura apoteose da montagem cinematográfica, dizendo-nos e mostrando-nos como este tempo trágico que habitamos nasceu das utopias e pesadelos do século XX. Não por acaso, essa montagem promove um cruzamento das memórias das guerras com as imagens dos filmes, num turbilhão em que os fragmentos de Roberto Rossellini ou Jerry Lewis, Jean Renoir ou do próprio Godard nos lembram a dor da felicidade imaginada. Porquê? Porque, como diz a voz de Jean Servais, extraída do final de "Le Plaisir" (1950), de Max Ophüls, "a felicidade não é alegre". São essas palavras de Maupassant que, afinal, nos reconciliam com a obstinação dos nossos sonhos. (João Lopes)