Projeto anterior a "Acto da Primavera", mas só concluído depois deste (em 1963, que foi um ano de renascimento para o cineasta), A Caça é o único filme de Oliveira baseado num fait divers, focado em dois rapazes amigos a que a ficção chamou de José e Roberto. Um deles afoga-se num pântano perante a impotência do outro que, aterrorizado com tal visão, corre em busca de auxílio. "A Caça" é um trabalho capital para Oliveira, filme de presságios sobre uma fatalidade que tantas vezes voltaria a esta obra a partir daqui. Tal como "Acto da Primavera", teve problemas com a censura, que viu no pântano o afundar do regime e impôs a Oliveira um final feliz. Pela sua conceção "mais simbólica que real", sublinhada por uma banda sonora de enorme importância desde a primeira sequência (o ataque da raposa ao galinheiro) à absurda corrente humana que tenta salvar o rapaz ("A mão! A mão!", grita o maneta que não a tem), eis um filme que, de ameaça em ameaça, funde o quotidiano e o fantástico em direção ao mesmo destino, onde a morte ronda implacável. Em 1988, Oliveira remonta esta obra-prima na sua versão original, guardando em epílogo o final imposto pela censura. E não é por acaso que este último termina com um cão a ladrar furiosamente para a câmara. (Francisco Ferreira)