O ato de observação a partir de um ponto em movimento deforma a realidade. Neste caso, o ponto em movimento é um comboio que rasga a alta velocidade pelo espaço, reproduzindo um efeito visual que se assemelha às rasuras de uma película deteriorada. Mas o comboio também manipula a imagem de outra maneira, oferecendo uma fusão entre o que é observado e o reflexo de quem observa. Nesta fusão, participam ainda os sons e o texto narrado, assim como as imagens de arquivo dos lobos que batizam o filme, provocando no espetador um incontrolável desejo de ficção (da citação inicial de Rudyard Kipling ao comboio dos irmãos Lumière). É esta hipótese que sugere uma reflexão metacinematográfica? Como sugere Edgar Morin, será o comboio apenas uma metáfora do cinema enquanto aparato tecnológico inventado pelo homem que transforma vertiginosamente a natureza, rasgando-a e dizimando-a? Este filme marca a estreia de Miguel Ildefonso no Curtas Vila do Conde. (PC)