Logo no princípio, vemos um homem a sair de um monte de carvão dentro de um barco. Ele é Khaled, um imigrante sírio que, daquela forma, entra na Finlândia. A metáfora visual é evidente: o seu aspeto é sujo e, à medida que percorre os caminhos de um país novo, parece um fantasma à procura que a sua invisibilidade possa esconder a sua condição. No entanto, ele toma a decisão de se mostrar, de pedir asilo a este novo país aonde ele admite ter chegado por engano. Do outro lado da barricada, surge Wikström, um calmo finlandês que decide mudar de vida: vende o seu negócio de camisas, aposta tudo num jogo de póquer e, com o que ganha, compra um restaurante na falência. É ele que acolherá Khaled quando este foge do abrigo temporário para imigrantes antes da polícia o escoltar até ao aeroporto. O relacionamento entre ambos abre uma porta ao outro lado da esperança, a um mundo de um humanismo dos pequenos gestos. Kaurismäki apresenta este filme no seu estilo característico, onde homens e mulheres solitários e introspetivos têm surpreendentes gestos de humanidade. São pessoas que se transformam, mesmo que os seus quotidianos sejam cópias a preto-e-branco de uma vida feliz. Esses gestos partilham um lado libertador do filme com a música e o humor – fino, muitas vezes negro, mas particularmente agudo. Depois de "Le Havre" (2011), este é o segundo filme da "trilogia dos portos", tendo sido um dos filmes mais falados do último Festival de Berlim, onde recebeu o Prémio de Melhor Realizador. Em ano de celebração no Curtas, o festival abre com um dos autores mais estimados e que foi homenageado com uma retrospetiva na sua segunda edição, em 1994. (DR) O filme estreia em Portugal a 24 de outubro.