Em Levittown, a primeira das novas cidades ideais do pós-guerra, um jovem afro-americano percorre as ruas de casas idênticas alinhadas e relvados aparados. O seu monólogo evoca as ficções do cinema americano que tornaram a vida nos subúrbios da classe média branca – onde os negros não podiam adquirir uma casa – um estereótipo tão familiar: desde “Life Is Beautiful”, de Frank Capra, aos finais dos anos noventa de Peter Weir (“The Truman Show”), Sofia Coppola (“The Virgin Suicides”), ou Sam Mendes (“American Beauty”). O dia começa jovial e luminoso, cheio de promessa no futuro e na concretização do sonho americano, mas à medida que a luz diminui o discurso endurece e o ambiente fica mais pesado. Quando a noite cai, a chuva miúda torna as ruas desertas, o verniz da perfeição estala, e o pesadelo substitui o sonho, na gramática simples e eficiente do medo de David Lynch (“Blue Velvet”). Nelson Bourrec Carter condensa, nesta curta-metragem, o cinema que definiu os subúrbios no imaginário coletivo, e que, ao mesmo tempo, expôs a realidade frágil da utopia do sonho americano, os problemas que a artificialidade asfixiante da normatividade social e da segregação racial não só escondem, mas criam. (IR)