Filmar o infilmável Primeiro filme estreado em sala de João César Monteiro, um jovem crítico que se destacava nas páginas da revista O Tempo e o Modo e do jornal Diário de Lisboa e que ainda se apresentava como João César Santos, Sophia de Mello Breyner Andresen é, nas palavras do próprio realizador, “a prova, para quem a quiser entender, que a poesia não é filmável e não adianta persegui-la”. Produzido por Ricardo Malheiro, um produtor de dezenas de filmes turísticos e outras encomendas cinematográficas, esta curta de Monteiro integra uma série intitulada Cultura Filmes, onde se incluem outras sobre Fernando Namora, Júlio Resende, António Duarte (os três realizados por Manuel Guimarães) e Fernando Lopes Graça (realizado por António-Pedro Vasconcelos). Os filmes pretendiam retratar o quotidiano de artistas de diversas áreas que fossem relevantes para a cultura portuguesa de então. É o próprio Monteiro, na sua auto-biografia que relata o contacto: “Era uma oportunidade, mas não acreditei muito que houvesse um produtor disposto a acreditar numa criatura que, a par de uma total inexperiência, disfarçava mal uma certa aversão pelos negociantes do cinema, além de que as minhas roupas velhas e este ar sub-nutrido não inspiravam a menor confiança. Aliás, o Malheiro metia-se comigo dizendo: ‘Porra! Você parece mais um mendigo que um realizador!’. Todavia, o [Alberto] Seixas [Santos] e, depois, o António-Pedro [Vasconcelos] convenceram o Malheiro que eu era genial, apesar de não arriscarem meio tostão em mim. (…) Porque, para dizer a verdade, ninguém acreditava que eu fosse capaz de fazer um filme. Se calhar, até eu já não acreditava muito. Devo confessar que, por razões que ainda hoje me escapam, não precisei de recorrer à chamada hipocrisia para me dar bem com o Malheiro. Simpatizo mesmo com o velho, muito embora uma análise fria da personagem me deixe um tanto transido. Suponho que o Malheiro também simpatizou comigo e decidiu dar-me um filme, facto a que sou extremamente sensível, sobretudo depois de saber que houve quem o tentasse dissuadir alegando que sou doido varrido.” No verão de 1968, de forma algo inusitada, Monteiro rumou a Lagos, no Algarve, onde Sophia de Mello Breyner Andresen passava férias com a sua família. Pouco convencional, o cineasta quis evitar o filme-entrevista ou um biopic narrado em off com imagens dos arquivos. Em vez disso, aproveitando todo aquele contexto familiar e descontraído das férias de verão junto ao mar, Monteiro fez o que João Bénard da Costa considerou ser “uma espécie de home movie sem nenhum dos disparates ou das pieguices desse género de filmes”. Monteiro, ainda sobre o filme, e perante a impossibilidade de filmar a poesia, sugere que “O que é filmável é sempre outra coisa que pode ou não ter uma qualidade poética. O meu filme é a constatação dessa impossibilidade, e essa intransigente vergonha torna-o, segundo creio, poético, malgré lui.” (PC)