Um caçador percorre os bosques apenas na companhia do seu fiel cão. Os tiros que quebram o silêncio vão assinalando as aves caçadas. A certo ponto, o caçador ouve barulhos estranhos e segue-os até uma clareira: é lá que avista dois vultos brancos ao longe, fantasmas talvez, ou duas pessoas a brincar, ou ainda dois anjos? De qualquer forma, o caçador dispara e não falha, atingindo um dos vultos. A partir daqui constrói-se um filme enigmático, de silêncios, rostos fechados e olhares comprometidos, numa viagem ao território da fronteira entre o onírico e o real, que não conseguimos realmente situar. Mais tarde, quando o caçador percorre as ruas da aldeia, é olhado como se tratasse de uma aparição, como se ele próprio fosse o fantasma. O filme, que utiliza como actores secundários as pessoas da aldeia do Alentejo onde foi filmado (além do protagonista, interpretado por Gustavo Sumpta), é inspirado pelo quadro de 1562 de Pieter Bruegel, “A Queda dos Anjos Rebeldes”, que retrata a expulsão do paraíso dos anjos atingidos pelo pecado. Aqui, através de uma cinematografia notável e uma construção cuidadosa de um ambiente soturno, o conflito entre o bem e o mal, entre a virtude e o vício, é alvo de uma abordagem original e assombrosa. Esta é a estreia de Vasco Saltão no Curtas. (JA)