Uma vez mais, Kelly Reichardt regressa ao seu bem conhecido território do Pacific Northwest (que inclui o estado do Oregon, onde vive desde há alguns anos e que tem servido de cenário de vários dos seus filmes desde “Old Joy”, 2006), para contar uma história que reúne algumas das características mais vincadas de uma obra que é um caso à parte no cinema americano contemporâneo e na sua indústria. Em “First Cow” encontramos, entre outros aspetos da sua obra, os mitos fundadores da América, a representação da amizade masculina, o ritmo da vida e a imensidão da América rural. A história, tendo por base o conto “The Half Life”, de Jon Raymond (colaborador habitual da realizadora), passa-se nas primeiras décadas do Séc. XIX, e conta a amizade improvável de dois homens (um ex-chefe de cozinha americano e um imigrante chinês em fuga) que procuram fortuna naquelas paragens remotas. Os seus interesses comuns são a possibilidade de uma sociedade num negócio de pastelaria, e a única vaca leiteira existente na região, objeto de exótico fascínio e cujo dono é um rico proprietário da zona. A dupla trama um plano: na calada da noite, tentarão ordenhar a vaca e usar o seu leite para fazer deliciosos “scones” de manteiga, que rapidamente se tornam um sucesso no mercado local. “First Cow” é um moderno western contemplativo, com um ritmo lento e cuidada observação das comunidades e da natureza, com personagens solitárias em paisagens remotas e nas margens da sociedade, uma visão dura do velho Oeste já dominado pela força implacável do sistema capitalista. Kelly Reichardt é um nome incontornável do cinema independente americano, cineasta dos resistentes e dos marginalizados do sistema, da América profunda das cidades pequenas e das paisagens imensas, cenários que utiliza em narrativas minimalistas onde sobressai a face mais perversa do liberalismo capitalista. Visitou o Curtas Vila do Conde em 2014, ano em que foi a cineasta em foco no festival, onde apresentou todas as suas longas-metragens até à data, desde “River of Grass” (1994) até “Night Moves” (2013). Em 2017, o Curtas Vila do Conde voltou à filmografia de Reichardt, exibindo “Certain Women” em estreia nacional. (MD)